Para que se compreenda o momento atual da Educação
Física é necessário considerar suas origens no contexto brasileiro, abordando as
principais influências que marcam e caracterizam esta disciplina e os novos
rumos que estão se delineando.
No
século passado, a Educação Física esteve estritamente vinculada às
instituições militares e à classe médica. Esses vínculos foram determinantes,
tanto no que diz respeito concepção da disciplina e suas finalidades quanto ao
seu campo de atuação e à forma de ser ensinada.
Visando melhorar a condição de vida, muitos médicos
assumiram uma função higienista e buscaram modificar os hábitos de saúde e
higiene da população. A Educação Física, então, favoreceria a educação do
corpo, tendo como meta a construção de um físico saudável e equilibrado
organicamente, menos suscetível as doenças. Além, disso havia no pensamento
político e intelectual brasileiro da época uma forte preocupação com a eugenia[1].
Como o contingente de escravos negros era muito grande, havia o temor de uma
mistura” que “desqualificasse” a raça branca. Dessa forma, a educação sexual
associada à Educação Física deveriam incutir nos homens e mulheres a
responsabilidade de manter a “pureza” e a “qualidade” da raça branca.
Embora a elite imperial estivesse de
acordo com os pressupostos higiênicos, eugênicos e físicos, havia uma forte
resistência na realização de atividades físicas por conta da associação entre o
trabalho físico e o trabalho escravo. Qualquer ocupação que implicasse esforço
físico era vista com maus olhos, considerada “menor”. Essa atitude dificultava
que se tornasse obrigatória a prática de atividades físicas nas escolas.
Dentro dessa coniuntura, as instituições militares
sofreram influência da filosofia positivista, o que favoreceu que tais
instituições também pregassern a educação do físico. Almejando a ordem e o
progresso, era de fundamental importância formar indivíduos fortes e saudáveis,
que pudessem defender a pátria e seus ideais.
No ano de 1851 foi feita a Reforma Couto Ferraz, a
qual tornou obrigatória a Educação Física nas escolas do município da Corte. De
modo geral houve grande contrariedade por parte dos pais em ver seus filhos
envolvidos em atividades que não tinham caráter intelectual. Em relação aos
meninos, a tolerância era um pouco maior, já que a idéia de ginástica
associava-se as instituições militares; mas, em relação às meninas, houve pais
que proibiram a participação de suas filhas.
Em 1882, Rui Barbosa deu seu parecer sobre o Projeto
224 - Reforma Leôncio de Carvalho, Decreto nº. 7.247, de 19 de abril de 1879,
da Instrução Pública, no qual defendeu a inclusão da ginástica nas escolas e a
equiparação dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. Nesse
parecer, ele destacou e explicitou sua idéia sobre a importância de se ter um
corpo saudável para sustentar a atividade intelectual.
No início deste século, a Educação Física, ainda sob
o nome de ginástica, foi incluída nos currículos dos Estados da Bahia, Ceará,
Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. Nessa mesma época a
educação brasileira sofria uma forte influência do movimento escolanovista,
que evidenciou a importância da Educação Física no desenvolvimento integral do
ser humano. Essa conjuntura possibilitou que profissionais da educação na III
Conferência Nacional de Educação, em 1929 discutissem os métodos, as práticas e
os problemas relativos ao ensino da Educação Física.
A Educação Física que se ensinava nesse período era
baseada nos métodos europeus - o sueco, o alemão e, posteriormente, o francês -
, que se firmavam em princípios biológicos. Faziam parte de um movimento mais
amplo, de natureza cultural, política e científica, conhecido como Movimento
Ginástico Europeu, e foi a primeira sistematização científica da Educação
Física no Ocidente.
Na década de 30, no Brasil, dentro de um contexto
histórico e político mundial, com a ascensão das ideologias nazistas e
fascistas, ganham força novamente as idéias que associam a eugenização da raça
à Educação Física. O exército passou a ser a principal instituição a comandar
um movimento em prol do “ideal” da Educação Física que se mesclava aos
objetivos patrióticos e de preparação pré-militar. O discurso eugênico logo
cedeu lugar aos objetivos higiênicos e de prevenção de doenças, estes sim,
passíveis de serem trabalhados dentro de um contexto educacional.
A finalidade higiênica foi duradoura, pois
instituições militares, religiosas, educadores da “escola nova” e Estado
compartilhavam de muitos de seus pressupostos.
Mas a inclusão da Educação Física nos currículos não
havia garantido a sua implementação prática, principalmente nas escolas
primárias. Embora a legislação visasse tal inclusão, a falta de recursos
humanos capacitados para o trabalho com Educação Física escolar era muito
grande.
Apenas em 1937, na elaboração da Constituição, é que
se fez a primeira referência explícita à Educação Física em textos constitucionais
federais, incluindo-a no currículo como prática educativa obrigatória (e não
como disciplina curricular), junto como ensino cívico e os trabalhos manuais,
em todas as escolas brasileiras. Também havia um artigo naquela Constituição
que citava o adestramento físico como maneira de preparar a juventude para a
defesa da nação e para o cumprimento dos deveres com a economia.
Os anos 30 tiveram ainda por característica uma
mudança conjuntural bastante significativa no país: o processo de
industrialização e urbanização e o estabelecimento do Estado Novo. Nesse
contexto, a Educação Física ganhou novas atribuições: fortalecer o trabalhador,
melhorando sua capacidade produtiva, e desenvolver o espírito de cooperação
em beneficio da coletividade.
Do final do Estado Novo até a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um amplo debate sobre o sistema
de ensino brasileiro. Nessa lei ficou determinada a obrigatoriedade da Educação
Física para o ensino primário e médio. A partir dai, o esporte passou a ocupar
cada vez mais espaço nas aulas de Educação Física.
O processo de esportivização da Educação Física
escolar iniciou com a introdução do Método Desportivo Generalizado, que significou
uma contraposição aos antigos métodos de ginástica tradicional e uma tentativa
de incorporar esporte, que já era urna instituição bastante independente,
adequando-o a objetivos e práticas pedagógicas.
Após 1964, a educação, de modo geral, sofreu as
influências da tendência tecnicista. O ensino era visto como uma maneira de se
formar mão-de-obra qualificada. Era a época da difusão dos cursos técnicos
profissionalizantes. Nesse quadro, em 1968, com a Lei n. 5.340, e, em 1971, com
a S.692, a Educação Física teve seu caráter instrumental reforçado: era
considerada uma atividade prática, voltada para o desempenho técnico e físico
do aluno.
Na década de 70, a Educação Física ganhou, mais uma
vez, funções importantes para a manutenção da ordem e do progresso. O governo
militar investiu na Educação Física em função de diretrizes pautadas no
nacionalismo, na integração nacional (entre os Estados) e na segurança
nacional, tanto na formação de um exército composto por unia juventude forte e
saudável como na tentativa de desmobilização das forças políticas
oposicionistas.
As atividades esportivas também foram consideradas
como fatores que poderiam colaborar na melhoria da força de trabalho para o
“milagre econômico brasileiro”. Nesse período estreitaram-se os vínculos entre
esporte e nacionalismo. Um bom exemplo é ouso que se fez da campanha da seleção
brasileira de futebol, na Copa do Mundo de 1970.
Em
relação ao âmbito escolar, a partir do Decreto n. 69.450, de 1971,
considerou-se a Educação Física como “a atividade que, por seus meios,
processos e técnicas, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas,
psíquicas e sociais do educando”. A falta de especificidade do decreto manteve
a ênfase na aptidão física, tanto na organização das atividades como no seu
controle e avaliação.
A
iniciação esportiva, a partir da quinta série, tornou-se um dos eixos
fundamentais de ensino; buscava-se a descoberta de novos talentos que pudessem
participar de competições internacionais, representando a pátria. Nesse
período, o chamado “modelo piramidal” norteou as diretrizes políticas para a
Educação Física: a Educação Física escolar, a melhoria da aptidão física da
população urbana e o empreendimento da iniciativa privada na organização
desportiva para a comunidade comporiam o desporto de massa que se
desenvolveria, tornando-se um desporto de elite, com a seleção de indivíduos
aptos para competir dentro e fora do pais.
Na
década de 8Oos efeitos desse modelo começaram a ser sentidos e contestados: o
Brasil não se tornou uma nação olímpica e a competição esportiva da elite não
alimentou o número de praticantes de atividades físicas. Iniciou-se então uma
profunda crise de identidade nos pressupostos e no próprio discurso da Educação
Física, que originou uma mudança significativa nas políticas educacionais: a
Educação Física escolar, que estava voltada principalmente para a escolaridade
de quinta a oitava series do primeiro grau, passou a priorizar o segmento de
primeira a quarta e também a pré-escola. O enfoque passou a ser o
desenvolvimento psicomotor do aluno, tirando da escola a função de promover os
esportes de alto rendimento.
O campo de debates se fertilizou e as primeiras
produções surgiram apontando o rumo das novas tendências da Educação Física. A
criação dos primeiros cursos de pós-graduação em Educação Física, o retorno
de professores doutorados fora do Brasil, as publicações de um número maior de
livros e revistas, bem como o aumento do número de congressos e outros eventos
dessa natureza foram fatores que também contribuíram para esse debate.
As relações entre Educação Física e sociedade
passaram a ser discutidas sob a influência das teorias críticas da educação:
questionou-se seu papel e sua dimensão política. Ocorreu então uma mudança de
enfoque, tanto no que dizia respeito a natureza da área quanto no que se
referia aos seus objetivos, conteúdos e pressupostos pedagógicos de ensino e
aprendizagem.
No primeiro aspecto, se ampliou a visão de uma área
biológica, reavaliaram-se e enfatizaram-se as dimensões psicológicas, sociais,
cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral.
No segundo, se abarcaram objetivos educacionais mais
amplos (não apenas voltados para a formação de um físico que pudesse sustentar
a atividade intelectual), conteúdos diversificados (não só exercícios e
esportes) e pressupostos pedagógicos mais humanos (e não apenas adestramento).
Atualmente se concebe a existência de algumas
abordagens para a Educação Física escolar no Brasil que resultam da articulação
de diferentes teorias psicológicas, socíologicas e concepções filosóficas.
Todas essas correntes têm ampliado os campos de ação e reflexão para a área e
a aproximado das ciências humanas, e, embora contenham enfoques científicos
diferenciados entre si, com pontos muitas vezes divergentes, têm em comum a
busca de uma Educação Física que articule as múltiplas dimensões do ser humano.
Nas escolas, embora já seja reconhecida como uma área
essencial, a Educação Física ainda é tratada como “marginal’, que pode, por
exemplo, ter seu horário ‘empurrado’ para fora do período que os alunos estão
na escola ou alocada em horários convenientes para outras áreas e não de acordo
com as necessidades de suas especificidades (algumas aulas, por exemplo, são no
último horário da manhã, quando o sol está a pino).
Outra situação em que essa “marginalidade’ se
manifesta é no momento de planejamento, discussão e avaliação do trabalho, no
qual raramente a Educação Física é integrada. Muitas vezes o professor acaba
por se convencer da “pequena importância” de seu trabalho, distanciando-se da
equipe pedagógica, trabalhando isoladamente.
Paradoxalmente, esse professor é uma referência
importante para seus alunos, pois a Educação Física propicia lima experiência
de aprendizagem peculiar ao mobilizar os aspectos afetivos, sociais, éticos e
de sexualidade de forma intensa e explícita, o que faz com que o professor de
Educação Física tenha um conhecimento abrangente de seus alunos. Levando essas
questões em conta e considerando a importância da própria área, evidencia-se
cada vez mais, a necessidade de integração.
A
Lei de Diretrizes e Bases promulgada em 20 de dezembro de 1996 busca
transformar o caráter que a Educação Física assumiu nos últimos anos ao
explicitar no art. 26, § 30, que “a Educação Física, integrada à proposta
pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se
às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos
cursos noturnos”. Dessa forma, a Educação Física deve ser exercida em toda a
escolaridade de primeira a oitava séries, não somente de quinta a oitava
séries, como era anteriormente.
A
consideração à particularidade da população de cada escola e a integração ao
projeto pedagógico evidenciaram a preocupação em tornar a Educação Física uma
área não-marginalizada.
[1] A eugenia é urna
ação que visa o melhoramento genético
da raça humana, utilizando-se para tanto
de esterilização de deficientes, exames pré-nupciais,
e proibição de casamentos consanguíneos.